Declarações do presidente americano catalisaram anúncio público de mudança estratégica que já vinha sendo implementada discretamente há meses

A autorização oficial para que a Ucrânia use armas de longo alcance contra alvos militares em território russo marca uma virada histórica no conflito que já dura mais de três anos. A decisão, anunciada publicamente pelo chanceler alemão Friedrich Merz em maio de 2025, representa o fim de uma das principais “linhas vermelhas” mantidas pelo Ocidente desde o início da invasão russa.

Escalada de ataques russos provoca reação

A mudança de postura ocorreu após uma escalada sem precedentes dos ataques russos. No domingo, 25 de maio, a Rússia lançou 355 drones contra território ucraniano em uma única noite – o maior ataque dessa natureza desde o início da invasão em 2022. Na noite anterior, foram 298 drones e 69 mísseis. Em apenas três dias, aproximadamente 900 drones foram disparados contra alvos ucranianos.

Essa intensificação dos ataques provocou uma reação forte do presidente americano Donald Trump, que classificou Vladimir Putin como “absolutamente louco” em sua rede social Truth Social. Trump criticou o líder russo por “matar pessoas desnecessariamente” e disparar mísseis contra cidades ucranianas “sem qualquer razão”.

Se preferir, assista nossa análise em vídeo:

Estratégia gradual implementada em segredo

Segundo fontes diplomáticas, a decisão de remover as restrições de alcance não foi repentina. Os países ocidentais vinham implementando uma estratégia gradual há meses, aumentando progressivamente a pressão militar sobre a Rússia.

“Essa política já estava em curso há vários meses”, esclareceu Merz após o anúncio inicial. “O que fizemos foi tornar público algo que vinha acontecendo discretamente.”

O processo começou com a autorização de ataques a territórios ucranianos ocupados, como Crimeia, Donetsk e Luhansk. Posteriormente, foram permitidos ataques a instalações militares russas nas regiões fronteiriças de Belgorod e Kursk, sempre justificados como medidas preventivas contra ofensivas iminentes.

Arsenal de mísseis de longo alcance

Com a nova liberdade operacional, a Ucrânia tem acesso a um arsenal considerável:

Mísseis ATACMS (EUA): Alcance de até 300 quilômetros, guiados por GPS e sistema de navegação inercial, com ogiva de 227 quilos.

Storm Shadow (Reino Unido) e SCALP (França): Alcance real de aproximadamente 550 quilômetros (oficialmente 250 km para versões de exportação), com ogiva de 450 quilos capaz de penetrar alvos fortificados.

Taurus (Alemanha): Alcance superior a 500 quilômetros, com ogiva de 481 quilos projetada para alvos profundamente enterrados.

Mais de 200 alvos militares no alcance

A autorização coloca mais de 200 instalações militares russas dentro do alcance das armas ucranianas, incluindo:

  • Depósitos de munições estratégicos
  • Aeródromos militares
  • Centros de comando e controle
  • Fábricas de drones e componentes militares
  • Instalações de produção de sistemas de artilharia
  • Centros logísticos

Reação russa e “linhas vermelhas” cruzadas

O Kremlin reagiu imediatamente através do porta-voz Dmitry Peskov, classificando a medida como “extremamente perigosa”. Putin já havia alertado em setembro de 2024 que o uso de armas ocidentais de longo alcance contra território russo significaria que a OTAN estaria “literalmente em guerra” com Moscou.

No entanto, analistas do Atlantic Council observam que as chamadas “linhas vermelhas” russas já foram cruzadas várias vezes sem as consequências catastróficas prometidas. A cada nova arma fornecida – sistemas HIMARS, tanques pesados, mísseis de maior alcance –, a Rússia emitia avisos apocalípticos que não se concretizaram.

Impacto militar esperado

Especialistas acreditam que a autorização para ataques profundos em território russo pode:

  • Enfraquecer significativamente a capacidade russa de sustentar o esforço de guerra
  • Forçar a Rússia a dispersar soldados e equipamentos para proteger instalações
  • Descentralizar a produção militar russa, hoje concentrada em poucos locais
  • Reduzir o lançamento de bombas planadoras contra cidades ucranianas
  • Criar pressão política nas futuras negociações

Desafios e limitações

O sucesso da estratégia depende do fornecimento contínuo de mísseis em grandes quantidades pelos países ocidentais. Os estoques militares europeus são limitados, enquanto a Rússia pode dispersar seus ativos por um território continental vasto.

Como resposta, a Ucrânia já desenvolve seus próprios drones de longo alcance, demonstrando esforços para reduzir a dependência de fornecimentos externos.

Mudança paradigmática

A decisão representa uma transformação fundamental na abordagem ocidental ao conflito. O que há três anos era considerado impensável – atacar território russo com armas fornecidas pelo Ocidente – tornou-se uma realidade aceita.

Essa evolução gradual reflete uma nova fase da guerra, onde antigas restrições deram lugar a uma estratégia mais assertiva de apoio à defesa ucraniana. A partir de agora, o direito de atacar as fontes dos ataques recebidos diariamente integra oficialmente a doutrina de defesa ucraniana.

A questão que permanece não é mais se essa mudança afetará fundamentalmente o curso da guerra, mas sim a velocidade e a intensidade desse impacto no campo de batalha e nas futuras negociações de paz.