Acidente em maio transformou momento de glória de Kim Jong Un em humilhação nacional; três oficiais foram presos

Um mês após celebrar o lançamento bem-sucedido de seu primeiro destroyer moderno, a Coreia do Norte enfrentou um dos maiores vexames militares do governo de Kim Jong Un. O segundo navio da classe Choe Hyon capotou durante o lançamento no dia 21 de maio de 2025, no porto de Chongjin, transformando cinco mil toneladas de tecnologia militar avançada em símbolo de constrangimento nacional.

O incidente ocorreu durante uma cerimônia oficial que deveria marcar outro triunfo da “segunda revolução militar da Coreia do Norte”, como Kim Jong Un chama sua obsessão pela modernização naval. O líder norte-coreano estava presente no evento, assistindo a operação de um pavilhão construído especialmente para a ocasião.

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Do sucesso ao desastre

O contraste com abril de 2025 não poderia ser maior. Naquele mês, Kim Jong Un e sua filha Kim Ju Ae assistiram orgulhosos ao lançamento do primeiro destroyer da classe Choe Hyon no estaleiro de Nampo, usando uma doca seca – o método mais seguro para embarcações grandes. O mundo viu imagens de fogos de artifício, celebrações e testes de armamentos bem-sucedidos.

O problema começou com a decisão de construir o segundo navio no estaleiro Hambuk, em Chongjin, em vez de aguardar a disponibilidade do estaleiro de Nampo. A mudança visava atender ao cronograma apertado exigido por Kim Jong Un, mas criou uma série de complicações técnicas.

O estaleiro Hambuk nunca havia construído nada maior que barcos de pesca e pequenos navios cargueiros. Seus técnicos não tinham experiência com navios de guerra complexos e, principalmente, não possuía uma doca seca adequada para uma embarcação de cinco mil toneladas.

Tecnologia avançada, método inadequado

O destroyer Choe Hyon representa a arma naval mais sofisticada que a Coreia do Norte já tentou construir. A embarcação possui 74 células de lançamento vertical capazes de disparar mísseis antiaéreos, de cruzeiro e balísticos de curto alcance. Também conta com um canhão naval de 127 milímetros, três sistemas de defesa próxima, quatro lançadores de mísseis anti-navio e dois tubos de torpedo.

Além do armamento pesado, o navio possui radares de matriz faseada – sistemas avançados que detectam múltiplos alvos simultaneamente sem precisar girar – e equipamentos de guerra eletrônica capazes de interferir em radares e comunicações inimigas. Kim Jong Un declarou que esses navios serão capazes de carregar armas nucleares táticas no futuro.

Sem uma doca seca disponível, os engenheiros optaram pelo lançamento lateral, técnica que funciona para embarcações pequenas e médias, mas é extremamente arriscada para um navio de 140 metros carregado de armamentos pesados.

O acidente

Durante o lançamento, os bogies (rodas especiais que sustentam o navio durante o deslizamento) da proa falharam catastroficamente. Apenas a popa começou a deslizar para a água, enquanto a frente ficou presa no estaleiro. O resultado foi o navio sendo dobrado ao meio, com o casco sofrendo rupturas que permitiram a entrada de água.

Em poucos minutos, o destroyer estava capotado, com o lado direito submerso e a proa ainda encalhada no estaleiro. Kim Jong Un, que viera para uma celebração, assistiu a cinco mil toneladas de constrangimento nacional.

Consequências políticas

A reação de Kim Jong Un foi imediata. Ele classificou o incidente como “ato criminoso causado por descuido absoluto e irresponsabilidade”, afirmando que o acidente “trouxe a dignidade e o autorrespeito do estado a um colapso”.

Três oficiais do estaleiro foram presos imediatamente: o engenheiro-chefe Kang Jong Chol, o chefe da oficina de construção do casco Han Kyong Hak e o vice-gerente administrativo Kim Yong Hak. O gerente geral Hong Kil Ho foi chamado para interrogatório.

A investigação subiu até o alto escalão do Partido dos Trabalhadores, com a prisão de Ri Hyong Son, vice-diretor do Departamento da Indústria de Munições do Comitê Central. Instituições como a Academia Estatal de Ciências, a Universidade de Tecnologia Kim Chaek e o Instituto Central de Design Naval também foram envolvidas na investigação.

Operação de salvamento

Kim Jong Un estabeleceu um prazo político impossível: o navio deveria estar reparado antes da sessão plenária do partido em junho. Especialistas internacionais estimaram que os reparos levariam meses ou anos, se fossem possíveis.

Imagens de satélite mostraram o destroyer coberto por enormes lonas azuis para esconder os danos. Guindastes e barcaças cercaram a embarcação numa operação de salvamento que incluía até o uso de balões para tentar levantar o navio.

A agência oficial de notícias tentou controlar a narrativa, primeiro admitindo buracos no casco, depois mudando a versão para “arranhões superficiais” e prometendo reparo em dez dias. Semanas depois, as imagens de satélite ainda mostravam o destroyer na mesma posição.

Impacto estratégico

O desastre representa mais que um acidente industrial para Kim Jong Un. O país investiu centenas de milhões de dólares e anos de desenvolvimento na classe Choe Hyon, peça central dos planos de criar uma marinha de águas profundas capaz de operar longe da costa.

O incidente expôs limitações fundamentais da indústria militar norte-coreana: infraestrutura inadequada, cronogramas politicamente motivados que ignoram realidades técnicas, e a tendência de buscar atalhos em projetos que exigem precisão absoluta.

Especialistas já haviam notado sinais preocupantes de que a Coreia do Norte estava cortando caminhos no desenvolvimento. O primeiro destroyer foi construído em apenas um ano – tempo recorde que deixou pouco espaço para testes rigorosos.

Transparência forçada

Diferente de outros fracassos militares mantidos em sigilo, desta vez foi impossível esconder o problema. O evento teve muitas testemunhas e os satélites comerciais capturam tudo. Kim Jong Un teve que admitir o fracasso, mas tentou controlar a narrativa culpando indivíduos específicos em vez de reconhecer problemas sistêmicos.

O destróier capotado em Chongjin simboliza as contradições entre as ambições grandiosas de Kim Jong Un e as limitações reais de seu país. A “segunda revolução militar” continua enfrentando os mesmos problemas: recursos limitados, experiência técnica insuficiente e pressão política que transforma projetos militares sérios em espetáculos de propaganda.

Resta saber se este será um momento de aprendizado que levará a mudanças reais na abordagem norte-coreana para desenvolvimento militar, ou apenas mais um episódio onde responsabilidades individuais mascaram problemas estruturais profundos.